A alteração do comportamento dos consumidores por via da digitalização de economia, obriga necessariamente à reaprendizagem das técnicas de comunicação mais eficazes para persuadir, argumentar e gerar valor.

Mas hoje vivemos uma transformação ainda mais profunda enquanto seres humanos. É o próprio modus vivendi de cada um de nós na relação com o digital: a dependência da quantidade e qualidade de informação oriunda do digital catapulta-nos para outro paradigma: a “verdade” dos factos está lá, sempre que a quisermos consultar, na altura em que o desejarmos fazer, pelo tempo que nos apetecer.

E nós damos sinais das “verdades” que queremos ouvir, ler e ver, sempre que assinalamos positivamente ou negativamente uma publicação no Facebook, uma foto no Instagram ou uma mensagem no Twitter.

Cada vez receberemos mais publicações e notícias do nosso agrado e com tendência para gerar sentimentos positivos, porque vamos bloqueando, deixando de seguir ou eliminar aquelas que não geram empatia, sejam do foro desportivo, político religioso, social, profissional ou pessoal. O nosso “amigo” digital lê-nos a mente como ninguém, afina o seu algoritmo “just in time” e parece conhecer-nos e aos nossos sentimentos cada vez melhor.

Os meios de comunicação social, também ávidos estudiosos deste fenómeno, vão aprendendo novas formas de ganhar mercado e aumentar audiências, principal indicador capaz de gerar argumentos de venda para captar mais receitas futuras.

E quanto ao conteúdo da mensagem ou da notícia? Bem, o conteúdo ou a falta dele não parece ser o principal factor crítico de sucesso que mais contribui para o interesse das pessoas.

Quanto vale em termos de audiência um bom programa sobre história ou política comparado com um debate sobre “futebol” servido todos os dias, por tribunais de bancada? Que protagonismo teria o filósofo Agostinho da Silva (ver no Google) num programa de televisão, comparado com uma mesa de apresentadores, influencers de moda e relações públicas que comentam a vida dos demais?

A propósito do recente falecimento da escritora Agustina Bessa Luís, um proprietário de uma livraria conhecida dizia em entrevista a um canal de televisão, e com alguma graça, que os seus livros se começaram a vender, não porque fossem ser lidos, mas porque era uma boa razão para os compradores impressionarem os seus convidados com mais uma grande referência da literatura na estante. Este episódio despertou-me uma curiosidade e nos diversos fóruns onde vi discutir a notícia da véspera, quis perceber quais as principais referências bibliográficas da autora que me seriam recomendáveis. Não tive muita sorte.

Entretanto, nos dias seguintes passaram pelos nossos olhos mais uma catadupa de notícias, entre as fake e as reais, centenas de vídeos e memes partilhados no WhatsApp. E aquela notícia entrará para o pipeline de mais uma notícia efémera, que amanhã será totalmente esquecida.

Se a memorização e a retenção da informação se perdem (há sempre um motor de busca que sabe tudo em microssegundos), se a reflexão e o debate se tornam obsoletos, repetitivos e desinteressantes, então a única coisa que subsiste é o “agora”. Que amanhã já não conta!

Bem sabemos que a falta de tempo é um dos temas centrais do mundo atual. E a necessidade de agir no imediato, reduz drasticamente a capacidade de raciocínio e de reflexão nas sociedades modernas. Como diria o cientista italiano Lamberto Maffei, “o cérebro é uma máquina lenta”. A tecnologia tornou mais rápidas as comunicações entre os humanos, mas as comunicações entre neurónios permanecem inalteradas.

Falta-nos tempo para pensar! Faltará cada vez mais!

 

in www.linktoleaders.com/para-onde-caminhamos-na-relacao-com-o-digital-pedro-celeste

Published On: Junho 19, 2019 /