Como em qualquer sector, os “gulosos” do turismo acabarão. Sobreviverão aqueles que pensarem mais nos clientes do que na demonstração de resultados.

Falar de turismo em Portugal e da sua importância quase se tornou num cliché.

Pelo seu contributo positivo para as contas nacionais, pelo glamour que as principais cidades estão a criar e, sobretudo, pela transformação ocorrida nas unidades turísticas, restauração e demais diferenciações da oferta.

As praias estão cheias, os hotéis esgotados, os aeroportos a abarrotar e em muitos locais mal se ouve falar português. Perspetiva-se que 2017 seja um dos melhores anos de sempre para o sector, que pode superar 21 milhões de turistas, crescendo assim cerca de 10% face ao ano anterior, o dobro da taxa de crescimento ocorrida em Espanha. Por ordem de receitas destacam-se os franceses, que já superam ingleses, espanhóis e alemães, respetivamente. Como curiosidade, refira-se que Portugal tem praticamente o triplo de turistas do Brasil.

De facto, os dados disponíveis são impressionantes e revelam que Portugal tem superado a concorrência, não só porque muitos turistas deixaram de viajar para os países do Magreb ou para a Turquia e Egipto, por força da instabilidade político-económica, mas também pela ação correta e concertada das entidades oficiais e agentes do sector. Todavia, terá sido o efeito passa palavra e o fenómeno das redes sociais, que têm sido particularmente bem aproveitados.

Para se ter uma ideia da dimensão deste fenómeno é muito interessante verificar que as receitas geradas pelo turismo em Lisboa, que representam 3.500 milhões de euros são praticamente o dobro daquelas que são geradas por todas as exportações do sector do calçado, ele mesmo exemplo de sucesso.

Felizmente, parecem já estar esquecidos todos os erros cometidos no início deste século, com estratégias que conduziram a fracassos de investimento em quase todas as regiões e que faziam do golf o principal foco para gerar receitas, sendo quase uma obsessão capitalizar o turismo de luxo, como se fosse esse o posicionamento do país. Quem não se lembra dos Allgarve’s, Ryder Cup´s, Flóridas da Europa, TopTen’s…?

Hoje, felizmente, o paradigma é outro. O país é visitado por todas as faixas etárias, por todas as classes económicas, que visitam muitos locais e que procuram Portugal por muitas e variadas razões. A oferta hoteleira e a restauração reinventaram-se, o cuidado na proteção da beleza das cidades ganhou protagonismo, os eventos culturais, musicais, empresariais multiplicaram-se….

Portugal consegue finalmente capitalizar um conjunto de marcas autónomas que são fortíssimas, a começar por Lisboa, que já supera o número de turistas do Algarve e que tem o dobro do número de turistas do Porto, cidade que também se tem reinventado e conhecido os melhores encómios internacionais, tal como a Madeira, Açores, Alentejo, Nazaré e tantas outras.

Tudo isto é fruto de uma mudança de atitude empresarial e local face ao turismo, que seguramente é o fator mais difícil de gerir. Mas que é preciso manter, melhorar e aproveitar para capitalizar uma visão integrada e vencedora. Este sucesso momentâneo deve ser comemorado, mas sobretudo aproveitado para o futuro, como uma lição social, cultural e empresarial, pois, tal como os produtos, as marcas das cidades e dos países têm ciclos e vida.

Existe o perigo de acharmos que tudo o que temos representa o melhor que o mundo já conheceu, desde o bolo de chocolate ao pastel de nata, passando pelo vinho, restaurante e chef, pela aldeia desconhecida, à praia eleita. O mesmo acontece com a guerra provinciana de saber que cidade é mais “cool”, como se se tratasse de um campeonato interno, que não aproveita a ninguém, a não ser ao ego. Incorrer nessa falta de humildade poderá ser o maior erro a cometer neste processo. Ou, como dizia recentemente Eduardo Lourenço, “.. é preciso que não estejamos sempre a viver um Ronaldo coletivo, um “nós somos o melhor do mundo”.

Mas há um perigo maior: o de voltar a olhar para o umbigo, esquecendo a razão que tem levado ao sucesso. Pensar em sinergias à custa da qualidade percecionada para satisfazer apenas e só os números é uma estratégia desprovida de qualquer inteligência. De que vale um hotel alargar o numero de quartos e olhar para o Revpar (receita por quarto disponível) como principal indicador, se esta evolução tiver transformado um local recatado e de prestigio, no Inatel?

De que vale aumentar excessivamente os preços, tirando partido da “boa onda”, se depois se acaba nas redes sociais pela pior das razões, como aconteceu recentemente com alguns restaurantes lisboetas?

Como em qualquer sector, os “gulosos” do turismo acabarão. Sobreviverão aqueles que pensarem mais nos clientes do que na demonstração de resultados. Porque as demonstrações de resultados futuras dependem do serviço que se oferecer a quem gerou as demonstrações de resultados atuais.

Deverá coexistir um compromisso com a Qualidade, Transparência e Valor. Compromisso para o desenvolvimento das regiões o do próprio bem-estar das populações residentes. Que não podem desertificar as cidades em prol dos turistas e são a essência da sua identidade cultural

Só voltamos por vontade própria onde fomos felizes. No turismo não é diferente!

Published On: Outubro 27, 2017 /