Num momento particularmente delicado da economia portuguesa e mundial e dos seus efeitos junto do mercado de consumidores, tem sido colocada com relativa persistência a questão de, se as marcas devem aproveitar o momento para sobressaírem por via da publicidade ou se devem acompanhar o ritmo económico.
A resposta não é simples, porque depende de quem responde: qualquer publicitário dirá que este é o momento ideal para investir em campanhas fortes, criando uma diferenciação clara face à concorrência; os consultores dirão que o momento é propício a investimentos below-the-line, substancialmente mais económicos.
Partilho desta segunda perspectiva. É verdade que as marcas precisam aproveitar alguns momentos para se destacarem dos competidores directos, mas não é menos verdade que é precisamente nesses momentos que o mercado está ausente e, por isso, pouco receptivo. Não me recordo de marcas que não representem mercados onde o factor crítico de sucesso não seja o preço, que tenham constituído casos de sucesso por aproveitarem os períodos de recessão para investir fortemente em publicidade. Depois, existe a sempre actual questão da relação custo/benefício, isto é, quanto é preciso vender para compensar o volume de investimento publicitário? Quem se responsabiliza por um investimento que não resulta em volume de negócios acrescido? Quem sofre com esse desaire? As respostas são claras e os empresários agradecem que não se cometam erros nestes períodos.
Produtos ‘amigos’ das recessões
Vários estudos provam que há produtos que beneficiam das recessões económicas, como é o caso dos perfumes. Há consumidores que deslocam o seu rendimento para produtos desta natureza em momentos em que não o podem fazer para produtos de valor superior, ainda que de natureza completamente diferente (moda, electrodomésticos, automóveis, etc…).
Tudo isto deve merecer uma abordagem séria sobre o que representa o valor das marcas. Esta problemática deve ser sempre abordada na perspectiva daquilo que é o valor atribuído pelos seus consumidores. É mais forte a marca que, para além de superar as expectativas, é capaz de eliminar o risco psicológico inerente ao acto de compra. Sabe-se que este é tanto maior quanto menor for a performance do país e, sobretudo, das empresas.
Independentemente do momento económico, o valor de mercado de um produto ou serviço, de uma acção cotada na bolsa e, em última instância, de uma empresa, é o somatório das atitudes e vontades do mercado. É a celebre relação oferta/procura que as empresas, duma ou doutra forma, sempre aplicaram ao preço dos seus produtos ou serviços.
Quando nos referimos ao conceito de valor, devemos incluir todos os atributos que caracterizam a oferta, nomeadamente as razões pelas quais estamos dispostos a pagar um valor adicional para o obter. Uma marca e a imagem que dela resulta é, também, o somatório desses atributos. E a marca é precisamente uma das mais fortes componentes do goodwill das empresas.
As marcas têm valor porque o mercado lhes reconhece valor. É este mercado que, embora mais permeável às mensagens publicitárias, fruto do cada vez mais intenso esforço de marketing das empresas, está mais informado, mais avisado, mais exigente e menos condescendente. A questão que se coloca é a de se o valor da marca coincide com o valor que os consumidores lhe atribuem: tarde ou cedo, estes encarregar-se-ão de ditar o seu real valor, consumindo-as ou abandonando-as. Esta prova faz-se nos momentos de crescimento, mas sobretudo em períodos de abrandamento ou recessão.
Riscos da compra
Existem dois tipos de risco que envolvem o acto de compra: o da performance associada ao produto/serviço e o psicológico, decorrente da apreciação emocional sobre a sua utilização. No risco associado à performance, o consumidor comprova e avalia os benefícios esperados com os desfrutados (ex. máquina fotográfica que avaria, telemóvel com má recepção, atendimento deficiente, etc…). No risco psicológico, o produto/serviço é medido pela forma como o seu utilizador é visto pelos outros. As variáveis relacionadas com o preço, condições de pagamento, etc… ganham especial impacto nos momentos de abrandamento do consumo.
Contudo, o valor das marcas não aumenta apenas porque aumentam os serviços que lhes estão associados. É fundamental resolver o problema da notoriedade da marca; esse passo é vital para superar o risco psicológico da compra. O desenvolvimento do conceito que a marca envolve, através do incremento da notoriedade é conseguida através de uma comunicação eficaz, que não é o mesmo que muita comunicação.
Isto deve-se a alterações radicais no processo de decisão de compra por parte dos consumidores: estes passam a interpretar com maior clarividência todas as outras variáveis do mix de marketing dos produtos. A verdade é que começam a haver marcas muito bem sucedidas às quais não está associado um forte investimento publicitário: é o caso dos gelados Haagen-Dazs que construíram a sua imagem de marca na Europa, não com base no investimento publicitário exclusivo, mas assente num crescimento sustentado; Zara, Harry Potter, Viagra, Starbucks, entre outros, tiveram o mesmo comportamento. Cada vez mais, a publicidade deixou de constituir a base da construção de marcas fortes. Pelas razões apontadas no início deste artigo: a relação custo/benefício não é sempre eficaz e nos momentos de pouca procura, não é necessário recorrer à publicidade como último suspiro de sobrevivência da marca.
Desafio?
O grande desafio que se coloca ao marketing nos dias de hoje é o de estreitar o fosso existente entre o valor da marca e valor do cliente. Isto consegue-se através de construção de uma marca que emana dos factores críticos de sucesso ditados pelos clientes e que se sustenta na reputação, performance, gestão da marca e desenvolvimento de parcerias. A sua gestão compreende um processo que envolve toda a estratégia da empresa e não apenas o investimento publicitário.
Afinal de quem nos lembramos quando as coisas não correm de feição? Não é da família e dos amigos? Com as marcas ocorre precisamente a mesma coisa: nunca o conceito de fidelização da marca faz tanto sentido como nos momentos delicados.
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