Estamos a assistir a uma transformação permanente do mundo em que vivemos: nos valores, no trabalho, no lazer, na distinção do que é urgente e importante, na forma como interagimos com os outros, como compramos e pensamos.

Também estamos a caminho de uma sofisticada inteligência artificial que nos moldará os movimentos mais vulgares do nosso dia-a-dia. Num muito curto prazo os robôs farão parte do nosso quotidiano e serão fiéis companheiros de jornada.

E as empresas vão-se adaptando, sobretudo aquelas que nasceram num mundo não digital e que precisam aprender a conviver com esta nova realidade. Aquelas que investem rios de dinheiro em tecnologia para poderem abraçar os desafios da transformação digital, como acontece com o sector financeiro e, em particular na banca.

Neste sector, é o caso da aposta em app’s atractivas e descomplicadas onde podem ser efectuadas a grande maioria das transacções, são os chatbots na interacção online, mostrando-se preparados para abordar qualquer dúvida dos clientes, são os mecanismos de voz e reconhecimento facial, ou ainda os gestores de conta que comunicam à distância.

Mas, no sector bancário, tal como acontece noutras actividades, a modernização e inovação está dependente do grau de eficiência da sua actividade básica: servir clientes, funcionando bem.

E com o aparecimento das fintechs, que oferecem soluções simples, funcionais e a baixo custo, a responsabilidade da banca tradicional aumentou, sobretudo na capacidade em resolver questões simples de forma rápida, assentes na humanização de relações fortes e de confiança.

No entanto, ainda são muitos os casos onde se assiste a um grau de amadorismo e ineficiência inaceitáveis, dos quais partilho alguns exemplos vividos:

  • Pode um pedido de alteração de conta para débito da Via Verde demorar mais de 60 dias a ser resolvido, intercalados com 7 idas ao balcão?
  • Pode um cartão de crédito ser emitido 3 vezes e cancelado outras 3, no espaço de 45 dias porque em nenhum dos casos o pin chegou?
  • Pode um cartão de crédito ser cancelado por “segurança por eventual fraude” sem conhecimento prévio do cliente?
  • Pode o call center de um banco providenciar informações erradas que esbarram com a impossibilidade de serem postas em prática aquando de uma ida ao balcão?
  • Pode um pedido de alteração de balcão a pedido do cliente ser recusado, porque “a Direcção tem de aprovar”?
  • Pode um banco obrigar um cliente a mudar de gerente de conta (com este em funções) quando aquele não quer?
  • Pode um banco emitir cartões de débito sem que ninguém os tivesse solicitado?
  • Pode um gerente de conta responder aos emails dos seus clientes com um atraso médio de uma semana?
  • Pode um banco alegar que o cliente não tem razão em reclamar, porque tem registos de índice de satisfação elevados?

Não se trata de um pedido de cotação num crédito à habitação, de um processo de fusão e aquisição de empresas, de uma operação de trading na banca de investimento, ou ainda de gestão de offshores. Trata-se do trivial.

É irrelevante de que banco ou bancos estou a falar. A verdade é que nos dias de hoje os clientes têm mais poder do que nunca, e consequentemente evidenciam menor satisfação com a oferta com que se deparam. Sobretudo quando falham na sua essência.

E, por isso, quem parou no tempo e não percebeu a razão de ser do core da sua actividade e se distraiu com o novo mundo, o resultado é a perda de mercado para concorrentes mais disruptivos. É isso que está a acontecer no sector bancário.

Assim, alguns players do sector bancário deveriam interrogar-se permanentemente sobre a forma de gerir clientes e de optimizar o relacionamento com os mesmos. Por vezes, provocando alterações profundas na forma de pensar o mercado e interagir com o mesmo, ultrapassando as barreiras internas de quem está cristalizado numa posição em que já não é possível perdurar. Encontramos esta realidade em empresas de quase todos os sectores de actividade, com particular destaque para as áreas dominantes da economia, como é o caso da banca.

Em muitos casos, tem-se assistido nos últimos anos a um paradigma difícil de superar: ao mesmo tempo que se alimenta uma cultura empresarial assente na criação de sinergias, reinvenção de processos de trabalhos, reengenharias financeiras, optimização drástica de recursos, etc…, vive-se inebriado com o novo mundo digital, seja através da segmentação preditiva, dos novos algoritmos, das bitcoins ou crypto assets.

Nesta medida, para vários protagonistas do sector bancário é tempo de dar lugar a uma nova cultura empresarial e que tem provado gerar melhores e maiores resultados. Incorporando os clientes nos processos de negócio, de forma efectiva, tornando coerente e verdadeiro aquilo que se anuncia como proposta de valor, ao mesmo tempo que se implementa a melhor estratégia de marketing alicerçada na força comercial.

Seria muito bom que as coisas funcionassem na sua essência. E se diferenciassem, a partir daí. Afinal, de que vale soletrar todas as linguagens digitais e cripto, se não se sabe o aeiou?

 

in www.executiva.pt/blogues/reaprender-essencia-do-marketing-caso-da-banca

Published On: Janeiro 23, 2020 /